sábado, 23 de agosto de 2014

Enfermo

Passando a sala e a porta de vidro estava o homem, deitado na cama, cheio de cobertas.As pernas dobradas, e seco estava, pele e osso.Cabelos todos brancos e só um braço pode mover.
Ele viu a todos e se emocionou, rolaram lágrimas por seu rosto sofrido.O clima era tenso e era evidente que ele sabia que quando diziam o quão bem ele estava não era suficiente, o estar bem era agonizante.
As histórias contadas no cômodo ao lado tornavam a tristeza ainda mais profunda.O outro soube entretê-lo com a voz falha e olhos ao chão, nem mesmo a mulher aceitava.
Uma cidade tão bela e uma situação tão delicada.
Um sábado tão lindo e uma luta tão árdua.
...

domingo, 17 de agosto de 2014

Eu Tive Que Ir

Voando pra casa, com asas abertas para sentir o vento em meus cabelos, as constelações em meus pés e  o presente continuo com direito a gerúndio ...Ainda me sentindo desbravada.
Uma despedida cruel e a estréia formosa assim, na mesma noite.
Como a música já me falava, me foi dito o mesmo antes de tudo:
Não temos tempo a perder.

( osculum )  !!!

De fato não havia.E, devo confessar, a falta de tempo nunca me foi tão bem vinda.


O caso é que evitei, ao máximo, transcrever mais um passo meu em prosa, poesia ou o que fosse;  pois aprendi com os porres neste blog que as vezes não devo contar tudo aqui.Mas, como sou teimosa de berço, ignoro minhas recentes regras para compartilhar em diário a doçura.

O pleonasmo me impede dizer que a doçura foi doce.Já a metalinguagem aceita minha perdição que, você leitor faminto, deseja saber qual é - nunca direi já que há meios melhores de se saber.



Ah...
...
A falta de palavras me perturba
O uso exacerbado de artigos também
Como devo então esconder este sorriso
Se os lábios não o contém ?
...
Deixe de jogo e acabe com o silêncio dos gritos meus
Segure minha mão novamente enquanto rio
Não dê importância à minha falsa timidez
Pois é só nervosismo aqui no frio
...
Acho que acabei de expor ou declarar
Neste domingo com ócio
Tudo aquilo que senti quando me disse
''Não temos tempo a perder ''



domingo, 10 de agosto de 2014

O Palco Que Não Tenho Mais

A incerteza e ansiedade eram certas.Até mesmo em sonhos lá estavam, no esperar dessa noite, abusivas da minha falta de aceitação e excesso de teimosia.
Cheguei : arrumada e livre de malas, comprei o ingresso e mesmo com ele nas mãos ainda não tinha percebido o que estava a fazer.Entrei : as vi ali, sentada orando me fez crer divinamente em seu papel; dançando e recebendo as almas me fez  lembrar das histórias que gosto de lembrar; de olhos fechados meditando me fez duvidar da serenidade que não conhecia nela; curavada ao leste falando baixo me fez temer o que havia por vir.A narração por voz tão conhecida logo teve seu efeito, não apenas escutei como ouvi.O ciclo por ela narrado tornou a melancolia mais uma personagem daquele salão.
Tomei meu lugar na tão triste platéia.Lá, nas cadeiras vermelhas, sentia o aroma do gelo seco e via as luzes por trás das cortinas, sabendo o que faziam lá.Começou: o vídeo se iniciou, e, quando descobri que mesmo não fazendo mais parte daquela família eu poderia estar com eles, automaticamente, meus olhos se encheram de lágrimas.Mas nenhuma havia caído até então.
Pude então estar no palco e na platéia revivendo alguns instantes do ano anterior, me cobri de sorrisos e reminiscencia e aplaudi a entrada de um novo show sem mim.
As danças foram belas como sempre mas quando aquela música começou... Não havia afeto que me impedisse de desabar em choro.Elas estavam lá,todas, lá, no palco, lá, todas, lá, sem mim.A expressão foi transferida daquele rosto para o meu e, de uma em uma, cada gota salgada que saía de meus olhos era ganho merecido daquelas atuações.Pasmei.Sofri eu a seringa em minha veia, puxei eu o gatilho contra minha cabeça e bati eu naquelas garotas.
Quando abandonaram os focos de luz, demorei a me recuperar, e quando finalmente o fiz elas retornaram - juntas das lágrimas.
Findou para que pudesse subir aquela escadaria de quatro degraus que me separaram de meu devido lugar.Lá, finalmente, as abracei e contei tudo que senti.Antes que houvesse mais delongas voltei ao choro descontrolado e admiti a falta soberba, não só daquele palco, mas de todas aquelas pessoas que o tornavam meu lar.
Eu me emocionei, e minha emoção as emocionou.Queria poder dizer que aqueles abraços foram suficientes, mas de nada vale a mentira diante de tanto encanto.
Só me resta esperar um retorno, algum dia, para o camarim, e poder subir as escadas, temer a platéia, olhar de relance pelas coxias e, no palco enfim, ouvir o eco de meus pés na madeira, queimar os olhos com a iluminação e receber pelo personagem aquilo que me falta sendo apenas eu.
A única consolação que ouso acreditar é que se me foi tirado é devido que receberei futuramente presente ainda melhor - isso se há.
Palco,palco,palco...
Tudo que queria era poder cantar:
"No alto da montanha tinha uma coruja,
noite de Lua saía pra cantar
tchu tchu,tchu tchu
tchu tchu tchu tchu tchu tchu
tchu tchu, tchu tchu
tchu tchu tchu tchu tchu tchu "

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Tormento sem Glória

A virgem Maria retornou à Terra.Suas mãos brancas e frias tocaram o próprio ventre e assim soube que seu incontestável destino chegara, sem avisos prévios ou razão para aquele coração bater dentro dela.Estava horrorizada e incrédula com o fruto carregado por aqueles meses em silêncio, sem conhecimento ou consentimento.
Fora vítima dos becos escuros nas grandes cidades? Pior.Fora enganada na manipulação festiva.
Não adianta chorar os rios que nunca conhecerá, menina; não lamente os rosto do passado ou os pecados cometidos contra a coroa de sangue, a culpa é inegável.
E ela dizia que sua vida estava amaldiçoada, gritava o nome mal-dito e fechava os olhos para a conclusão.Pensou...Quando foi que rogou ao fogo pedindo um feto? Quando foi que assinou o contrato com o anjo mau? O que ganharia em troca? Quando aquele suplício teria fim? Onde está o outro responsável? Lá. Lá no passado, em uma memória mal gravada, ele exalava incoerência.
Nada pode seguir em branco. O esquecimento não é uma opção. Até mesmo um sentimento incômodo deve estar registrado para que se obtenha o amadurecimento e se apenda o valor do tempo.
O fecho está naquela conversa, a mais simbólica de muitos anos.Infelizmente, ate mesmo o fim tem início com o educado balançar de cabeças no cotidiano para reviver o costume da fala.Mas, por hora, não se deve subestimar tal agrado quando a cruz ainda está no peito.