segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O segundo sonho : eugenia

Patinava no gelo, de um inverno estadonidense em 1969.Meados de novembro, preparativos ao Natal. Uma lagoa preservada verde e cristalina as águas, que pretendiam criar desordem naquela tarde.
Três salas grandes e um pátio que seguia um corredor até a cozinha. Nela, o espaço era pouco, e muito se encontrara entre os fogões assando bolos e a geladeira ao lado da porta.
Uma garota fora de seu tempo entretida com o que achara nas prateleiras da geladeira, tem a tarefa de segurar um recém-nascido no intuito de facilitar a passagem de uma conhecida. Ela o põe nos braços, quase o derruba, e, percebe assim que pureza como aquela não era do seu século de origem.
Ela passa a reparar e identificar cada objeto. Não encontra seu telefone no bolso. Agachada no piso repete a si mesma '' Não pode ser''. Decide agir, vai até o padeiro e pergunta:
- Mauro, em que ano nasceu?
- 91.
Ela se alivia e percebe a tolice. Mas...Não! Não era possível que aquele senhor tivesse nascido em 1991, pois ela própria nascera em 1997 e, se realmente estivesse em 2014, seu presente, ele não apresentaria a idade. Entra em pânico:
-1891?
Ele concorda e ela corre.
Sabia que não podia alterar o tempo, pois uma vez mudado o passado para sempre o futuro seria consequente.
Ao avistar a conhecida, corre em busca de respostas.Grita:
-Escute-me, pare! Que dia é hoje?
- 18! - Responde com pressa.
-De que mês?
- Novembro ! - Agora já com deboche.
-Mas...de que ano?
-Bia, 1969! O que há contigo?
Ela corre e pergunta às crianças quem era o presidente, apenas um se atreveu a responder '' Johnson'', mas o mesmo havia saído do poder no ano passado. Uma menina pequena, de oito anos, pede a ela um peixe. Ela pensa ''Oras, não tenho tempo para peixes!'', e envia um garotinho à lagoa para pescar.
Tudo estava em ruínas, cada palavra dela 45 anos adiantados tornaria moderno demais o passado.
Enquanto ela precavia-se em cada passo, seu amigo esbanjava tecnologia na sala do meio. Ao ver a cena, ela entra no cômodo gritando e exigindo que parasse sem ao menos indagar o porquê ele tinha o celular e ela não.
O pior permanecia. O lago estava sob detetização e o garoto havia sumido. Os peixes afundaram em petróleo e o cheiro exalado contaminava os redores. Bia não tinha como resolver sozinha e volta à sala pensando que o amigo poderia ajuda-la. Que ironia, agora tudo estava em pleno equilíbrio: todos sentados enfileirados, silenciados e comportados. Ela avistou no último lugar, na ultima carteira um homem alto, ali sentado.
Ela pensou que, devido as madeixas douradas e olhos celestes, se tratava de um anjo que perdera as asas. Em função disto, as mãos pálidas da moça foram diretamente tocá-lo nas costas, pouco abaixo dos ombros.
Subitamente ele se levantou, rindo e chamando-a pelo nome, como se o verbo ''conhecer'' tivesse agregado um significado mais profundo.
Todos os outros na sala estavam lá como removidos, insignificantes observando-os. Ela acabou abraçando-o por trás, fazendo cócegas. Davam passos para trás, frente e para os lados, e iam diminuindo a velocidade dos pés e da fala risonha...Até que, sem saber no que resultaria, ela para e o abraço continua. Sua cabeça se reclina no ombro quente e vai deslizando vagarosamente até o peito dele e se aloja ali.
Sentindo o perfume puro e o calor da pele que se mostra tatuada, no lado direito do peito: versos. Ela não se conteve e teve de sentir as palavras por suas palmas das mãos, e passa a ler as letras pretas. Aconchegados um no outro, exitam o trocar de olhares, mas não conseguem e acabam por perdendo-se um nos olhos do outro. Ele inclina a cabeça e ela ergue a dela. Os lábios se tocam e contribuem à felicidade mútua. A sensibilidade se acentuou com a pureza e divindade compartilhada. Ela tinha medo de soltá-lo na possibilidade de ser abandonada, cultivando esperanças de uma nova visita de um anjo que não pode mais voar.
Os rostos se separam e trocam o último olhar de clamor. Ela acaricia o rosto dele como despedida mirando o azul inigulável dele. Ao deixar a sala da forma que a encontrara, com os versos na mente, ela nota o mal que fizera. Os deuses haviam escrito em linhas diferentes o destino daquele homem, que agora estava fadado a levá-la consigo sem jamais usufruir de um reencontro.
Como ela havia voltado ao passado? Nem mesmo Bia sabia. Poderia ser delírio, efeito colateral, de testes de algum medicamente, insanidade; tecnologia militar ... Ou, apenas um sonho para alegrar sua semana. De tão anestesiada que se sentia, ela não debatia a fonte que a trouxera.
Ao cruzar a porta, Bia se arrepende de ter alterado a história, mas também de deixá-lo lá. Vira-se. Abre a porta azul e estava a entrar no mesmo cômodo que saira, mas agora em sua atualidade. Bendito 2014. Bia fica imóvel ao reconhecer na sala cada rosto visto minutos atrás, não havia lógica que explicasse a situação vivenciada. Desta vez, estavam todos de pé, distraídos e conversando, e, enquanto ela boquiaberta analisava sua condição de realidade, o mesmo homem loiro vem em sua direção. 
Ele sorri e meche em sua cintura.Diz:
- Ah, me desculpe, mas eu já não te vi em algum lugar?
Ela reconhece cada traço dele, sorri singela e mente como nunca quis:
- Não...Eu acho que não.

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